Dentre as inúmeras abordagens que visam a diagnosticar as deficiências do desempenho do sistema hospitalar, duas merecem destaque. Uma é a posição dos que atribuem à atuação dos profissionais de saúde as principais responsabilidades pelas falhas. Nesta posição, os diagnósticos sugerem desde a incompetência até a falência ética.

A outra posição é a dos que atribuem ao próprio público as falhas na prestação dos serviços. Também aqui as opiniões variam muito, desde o desinteresse generalizado até campanhas dirigidas de descrédito.

Contudo, é um equívoco polarizar o problema no profissional de saúde ou no público, a partir da premissa mesma em que se fundamenta: a de que tal problema poderia ser solucionado pela reparação da “parte errada”. Isto é falso, porque a causa mais profunda do problema não está no usuário do serviço nem no profissional de saúde. Em última análise, tanto um como outro estão ligados por um mesmo vínculo: ambos acham-se de certa forma dependentes das decisões e orientações emitidas pelos dirigentes da instituição de saúde. Na medida em que o desempenho do dirigente hospitalar, por exemplo, for ineficaz, o desempenho dos servidores será correspondentemente afetado e, por consequência, os interesses do público usuário também. Torna-se fácil, portanto, detectar aí a existência de um círculo vicioso comportamental, que só poderá ser retificado mediante uma intervenção em nível intermediário de execução ou de compreensão da clientela usuária.

Na verdade, o estudo e equacionamento desse problema devem partir da pergunta: sobre quais características da gerência hospitalar é preciso intervir? A análise de determinados indicadores poderá facilitar um diagnóstico preliminar a uma primeira resposta à questão.

Um desses indicadores é a ideia (ainda não conscientizada) da relevância do papel do dirigente para a consecução dos objetivos da organização de saúde e, a partir daí, a confusão decorrente de que eficiência e eficácia são duas coisas distintas e, como tal, devem ser encaradas separadamente. É um equívoco acerca do que realmente significam eficácia e eficiência para a chefia. O erro mais comum decorrente desse equívoco é o gerente conservar, a esse nível, a mesma percepção de eficiência que tinha como técnico. Para exemplificar: o professor, que prepara suas aulas e que se preocupa em ministrá-las magistralmente, leva consigo para o cargo de supervisão ou direção essa noção de eficiência, enfatizando seu papel como orientador de currículos e programas. O mesmo se verifica com a sua percepção de eficácia. Esta, antes alcançada pelo professor que conseguia de seus alunos exames brilhantes, passa a se concretizar na conservação dos mesmos roteiros de aula, “eficazes” pela sua “infalibilidade” consagrada ano após ano. Como o ambiente está em contínua mudança e as decisões de modificar os programas e metas não são tomadas em conformidade com as novas demandas daquele ambiente, a eficácia perde-se (baixo grau de aproveitamento dos alunos, reprovações etc.) e a eficiência passa a ser apenas formal (número de horas/aulas ministradas, observância dos itens do programa etc.).

Na verdade, eficácia e eficiência são inseparáveis por serem interdependentes. E são os gerentes, em seus níveis respectivos, que reúnem (ou devem reunir) as melhores condições para assegurar e tornar frutífera essa interdependência. Para isso, contudo, eles precisam de competências gerenciais específicas, que podem e devem ser desenvolvidas.

Os dirigentes do serviço público nem sempre possuem formação específica em administração ou gerência. Restringem-se à direção técnica de sua gestão e não à direção executiva. Talvez até mesmo o termo executivo pareça-lhe inadequado à sua posição, função ou papel. Aí, todavia, é que está concentrado o equívoco fundamental: o da concepção das atividades que um gerente deva desempenhar. Antes de tudo, o diretor de uma escola ou de um hospital precisa estar consciente de que seu cargo é de gerência. O próprio sistema de seleção é um dos pontos mais falhos na constituição de um quadro gerencial qualificado para a administração. O engenheiro mais destacado por suas qualidades técnicas não é, necessariamente, a pessoa mais adequada para dirigir um distrito rodoviário.

Em termos de aperfeiçoamento, três focos distintos podem ser identificados. O primeiro, o pessoal, de desenvolvimento do indivíduo enquanto pessoa humana; o segundo, o técnico, de desenvolvimento do indivíduo enquanto especialista em determinada área do conhecimento humano; o terceiro, o gerencial, de desenvolvimento do indivíduo enquanto responsável pela direção de determinado empreendimento ou unidade organizacional.

Neste ponto, caberia perguntar: em que medida se deveria enfatizar o crescimento individual dos dirigentes do serviço público como pessoa humana? Ou a qualificação desses mesmos dirigentes na dimensão técnico-profissional de sua especialidade? Ou, ainda, o desenvolvimento gerencial desses dirigentes? Esta última alternativa parece, em princípio, a mais correta. O desenvolvimento gerencial tem o significado de um passo para a meta que se pretende atingir: em última análise, o desenvolvimento organizacional do serviço público. Portanto, qualquer empenho no sentido de aperfeiçoar o sistema gerencial será necessariamente orientado pelas políticas mais abrangentes estabelecidas com vistas a promover o desenvolvimento organizacional. Assim, o importante é tratar do problema específico sem perder de vista o contexto global em que ele está situado. Sem dúvida, um dos caminhos mais promissores para o aperfeiçoamento da administração está em capacitar as gerências a resolverem problemas de desenvolvimento organizacional.

Tem faltado aos programas de desenvolvimento de executivos do setor público uma concepção global e sistêmica. Assim, tendo em vista o contexto em que se situa o desenvolvimento gerencial, tornam-se claras sua relevância e suas implicações socioculturais, políticas e econômicas para o país.

Os problemas que cada secretaria estadual ou municipal visa a solucionar não são casos inéditos, exclusivos ou sui generis. Eles guardam similitudes, inter-relações e pontos comuns. Daí porque os programas de desenvolvimento gerencial para o setor público devem considerar esta realidade institucional brasileira, o que infelizmente não tem ocorrido.

Assim, o processo decisório da administração pública deve ser sensivelmente renovado. Há que se pensar em mudanças de escala e métodos para que a área de saúde do governo alcance, de pronto, os elementos que hoje operam a máquina administrativa, qualificando-os para atuar como gerentes públicos eficazes, utilizando todo o arsenal moderno de técnicas de gestão, destacando-se o uso intensivo e adequado dos sistemas de informação que, valorizados em sua justa dimensão, serão a grande cunha da renovação e modernização da área de saúde.

Adm. Wagner Siqueira
Presidente
CRA-RJ Nº 01-02903-7