Por ocasião da 1ª edição, os círculos intelectuais da gestão das organizações em todo o mundo foram abalados, mas praticamente não teve repercussões relevantes nas ações do cotidiano dos executivos e dos operadores no mundo das empresas e no universo da sociedade. Pensado e publicado em inglês, no Brasil ficou restrito a um pequeno círculo de discussão. Augura-se, agora, melhor resultado, tanto no Brasil como no exterior para esse pequeno texto, porém de incomensurável envergadura e densidade intelectual.
Morto em 1982, as apreciações de Guerreiro Ramos hoje, neste primeiro quartel do Século XXI, são cada vez mais atuais e necessárias à compreensão e à mudança organizacional, imprescindíveis de serem amplamente compartilhadas por todos aqueles que se dedicam à formulação teórica e à prática da gestão das organizações.
O livro põe a nu os sofismas e as falsas concepções da teoria hoje prevalecentes, cujo passamento não é de ser lamentado; é, ao contrário, um acontecimento auspicioso.
A teoria organizacional existente já não pode esconder seu paroquialismo. É paroquial porque focaliza os temas organizacionais de ponto de vista de critérios inerentes a um tipo de sociedade em que o mercado desempenha o papel de padrão e força abrangentes e integrativos. Torna-se muda, quando desafiada por temas organizacionais comuns a todas as sociedades. É também paroquial porque se alimenta da fantasia da localização simples, isto é, da ignorância da interligação e da interdependência das coisas no universo; lida com as coisas como se elas estivessem confinadas em seções mecânicas de espaço e tempo.
Uma visão mais atenta à trajetória da humanidade ao longo dos tempos nos leva à constatação de que a sociedade de mercado não é necessariamente inarredável. O seu protagonismo é bem recente, não tem mais do que 300 anos de história, a partir da Revolução Industrial. E mais ainda: não se aplica a todas as formas de atuação humana hoje existentes, ou mesmo que já existiram ontem ou que existirão possivelmente no futuro. E, assim, a teoria das organizações não pode se circunscrever essencialmente à lógica do mercado, concentrando-se apenas a um tipo especial de ação do homem em sociedade: a que temos hoje no mundo das organizações empresariais e na mundialização de uma economia de consumo e de crédito.
A presente teoria das organizações se encontra num beco sem saída. A humanidade constata no cotidiano que o aumento indefinido da produção de mercadorias e o progresso tecnológico indiscriminado não conduzem, necessariamente, ao desenvolvimento do potencial do homem. Nos limites dos interesses dominantes que prevaleceram no decurso dos três últimos séculos, a atual teoria das organizações já desempenhou o seu papel e cumpriu a missão que lhe cabia. A compreensão desse fato abre caminho para a elaboração de uma nova ciência multidimensional das organizações. Qualquer futuro que se visualize como um desenvolvimento linear da sociedade centrado no mercado será, necessariamente, pior do que o presente. A teoria das organizações deveria libertar-se de sua obsessão com o desenvolvimento, e começar a compreender que cada sociedade contemporânea está potencialmente apta a se transformar numa boa sociedade se escolher se despojar da visão linear da história.
A teoria das organizações consiste no uso consciente e deliberado de um conjunto de conceitos e sistemas operacionais cuja finalidade é levar às pessoas a interpretarem e a girem na realidade organizacional na direção e no sentido que os agentes dominantes do mercado desejam. Elas são essencialmente instrumentais ou funcionais para o mercado. Não são substantivas, mas fundamentalmente adjetivas e complementares, funcionais. E, assim, a racionalidade instrumental da teoria das organizações se torna na racionalidade geral, indistinta, aplicada sempre a quaisquer situações em que se integram pessoas se relacionando com pessoas, por meio de distintos usos de hierarquia, para a consecução de determinados objetivos.