O que nos demonstram os desajustamentos, depressões e até suicídios de empregados que marcam o funcionamento das grandes corporações nesta primeira década do século XXI?
O que significam, mais ainda, as explicações e justificativas para tais fatos de seus dirigentes, que oscilam entre o cinismo e a compaixão, ou seja, apresentam sentimento aparente de piedade pelos sofrimentos dos empregados?
E, pior ainda, o que quer dizer a convocação urgente e atabalhoada de psicólogos e de médicos do trabalho para identificar causas e propor soluções de imediato face ao inusitado dessa situação anômica, que estraçalha os ambientes organizacionais e afeta criticamente o desempenho?
Certamente o desconhecimento, a ignorância e até mesmo a negação deliberada pelo mundo corporativo de hoje dos conhecimentos e dos avanços das ciências do comportamento humano no trabalho produzidos por décadas, a partir dos anos 1920/1930, com as pesquisas pioneiras na Fábrica de Hawthorne, da Western Electric, nos USA.
A globalização e a mundialização da economia produzida pela sociedade de mercado, em especial a partir dos anos 1980, com a intensificação dos paradigmas dominantes dos lucros e dos resultados nos balanços, jogaram às trevas tudo o que cientificamente já se conhecia do processo de condicionamento do comportamento humano no trabalho. E o mundo corporativo em vez de avançar nas práticas das melhores formas de estimular o desempenho de seus colaboradores, produziu desde então passos significativos de retrocesso.
O processo histórico não se faz só com progressos e avanços, mas também com retrocessos e regressões, em que, o mais das vezes, apaga, ignora e desconhece os ganhos obtidos no passado, que subsistem apenas como elos perdidos.
Erros primários produzidos pelas trevas da ignorância e do desconhecimento sobre motivação humana no trabalho amplificam a crise nas organizações, aumentam os casos de desespero e de suicídios. E escandalizam a opinião pública, que não os compreende, e, muito menos, os aceita.
Um dos pontos fulcrais identificados pela célebre Pesquisa de Hawthorne é a presença e a influência dos grupos espontâneos (informais) na constituição e no funcionamento da realidade organizacional.
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Os grupos espontâneos ou informais não são apenas onipresentes na realidade do mundo do trabalho. Cada um deles se ordena por uma hierarquia social, por mecanismos de controle e por formas muito próprias de solidariedade e de interação.
É o sentimento de pertencer e de integrar grupos sociais que fixa em seus componentes o sentido de comprometimento, de dedicação e de empenho no trabalho, a par de integração `a situação, muitas vezes adversas, em que o trabalho é realizado.
A empresa não pode ser considerada como um agregado asséptico, infenso, de pessoas que se interrelacionam: ao lado da estrutura formal subsiste fortemente uma organização informal invisível, não percebida à primeira vista, mas decisivamente influente.
Para se compreender, em toda extensão e profundidade, a atualidade das descobertas da Pesquisa de Hawthorne basta se delinear o quadro de mudanças organizacionais ocorridas no mundo do trabalho nos últimos trinta anos em que tais descobertas passaram a ser simplesmente ignoradas, ou simplesmente tratadas como velharias ultrapassadas.
Em nome da intensificação da concorrência e da competição, e na busca crescente do máximo de resultados e de lucros, a gerência neoliberal se dedica, cada vez mais, a construir organizações fundadas na individualização de objetivos e dos meios para alcançá-los, na atribuição também individualizada das responsabilidades e das pressões, nas avaliações de desempenho, na concessão dos prêmios e nas sanções.
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Apesar do discurso contemporâneo de modernidade, o núcleo dominante de organização dos processos de trabalho não é a equipe, mas o indivíduo como pessoa e como profissional. O mundo corporativo impõe a dedicação incondicional dos empregados à empresa. Têm-se aí como marcos expressivos o aumento crescente da sobrecarga de trabalho, a redução de tempo que cada um dispõe para a vida familiar, e a submissão integral às exigências constantes de mobilidade e de uso do tempo pessoal em favor da empresa.
As conseqüências de todo esse quadro de circunstâncias não são difíceis de identificar: o que antes se chamava de “relações humanas” efetivamente hoje já não mais existem, tendo sido substituídas pelo culto aos resultados, às metas de desempenho a serem alcançadas, e pela indiferença generalizada às questões que configuram em plenitude a realização humana no trabalho.
Cada um por si na luta de todos contra todos é o que garante o capital de competência, de reputação e de prestígio profissional que permite a conquista de posições na hierarquia organizacional.
É a primeira vez, em tamanha escala, que a competição e a cooperação antagônica dentro da organização se transformam em variáveis críticas de estruturação de processos de trabalho.
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À atomização social reforça-se a ameaça, sempre presente, de demissão e o temor do desemprego para favorecer ainda mais a submissão de todos aos desígnios das direções e das gerências.
As organizações informais são, assim, varridas da realidade empresarial por um sistema esdrúxulo indiscriminado de competição individual, de todos e de cada um em busca da conquista de espaço pessoal e de um “lugar ao sol”.
Os argumentos econômicos não são suficientes para explicar a enorme ascendência da gerência neoliberal nas grandes corporações.
Toda forma de organização do trabalho reproduz em si mesmo, a seu tempo e por sua vez, a aplicação de uma técnica instrumental de dominação social.
O próprio ensino da administração se baseia nos pressupostos de preservação de poder de uma sociedade inteiramente centrada no mercado.
O conhecimento está a serviço do mercado, que se transformou em força modeladora da sociedade como um todo. O mercado põe e dispõe em todas as suas formas de expressão: na educação e na cultura, nos esportes e no lazer, na pesquisa e nas suas utilizações práticas, na política e na defesa do meio ambiente, e, muito mais, na vida empresarial.
A teoria das organizações se constitui, assim, numa ideologia que legitima, em nível empresarial, a sociedade de mercado, vale dizer, também suas iniqüidades e disfunções.
Portanto, não se constitui em qualquer surpresa a desconsideração factual das estruturas sociais espontâneas, as chamadas organizações informais, quer sejam internas, vinculadas diretamente ao próprio mundo corporativo, quer sejam externas, vinculadas à vida do empregado na família e na comunidade.
Não havia qualquer necessidade de desconsiderar a influência da organização informal para a realização dos paradigmas neoliberais prevalecentes no mundo corporativo dos tempos presentes. É evidente que a violência social sempre existiu no mundo das organizações e no universo da sociedade.
O novo é a deliberada e intencional ação empresarial no sentido de destruir a organização informal no ambiente organizacional sob o pressuposto de sua disfuncionalidade. A estrutura social nos integra em relações humanas soi-disant de “normalidade”, ao passo que sua ausência nos faz mergulhar no caos da contradição e da anomia.
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Precisamos tratar das almas e dos corpos das organizações, de suas estruturas e de seu funcionamento, de suas organizações formais e informais.
Deixemos de procurar as causas da insatisfação individual e coletiva lá onde elas não estão por insistirmos em desconhecer lá onde elas efetivamente estão: nas relações sociais de trabalho.
Deixemos de considerar como normal, habitual, como parte das regras do jogo, e como via necessária a destruição da estrutura social que preside a existência humana no trabalho.
O homem como um animal social é quase uma lei pétrea da natureza humana. A relação social faz parte de seu DNA, integra o seu código genético.
Presidente
CRA-RJ Nº 01-02903-7